Conhecimento, a nossa maior “arma”

Carla Rodrigues
Artigo da autoria de Carla Rodrigues, Business and Strategy Partner na What About Agency.

Considero-me uma privilegiada por ter nascido no século XX, e apesar de me queixar das desigualdades que existem, estamos longe de sofrer o que sofreram as mulheres no passado.

Há muito caminho para fazer e todas temos de dar passos para isso, mas já não estamos no século XVIII e XIX, onde qualquer mulher que saísse da estreita visão que se esperava era internada num manicómio, chegando mesmo a ser morta por não ser “normal”. E não ser normal era ser artista, ter opinião ou não aceitar que alguém decidisse por ela.

Tenho uma dupla sorte por ter nascido em Portugal, um país onde, apesar do machismo existente, as mulheres são livres e podem sempre decidir.

E por último, tenho a sorte de fazer parte de uma família na sua generalidade feminista, onde as mulheres sempre foram fortes e lutaram pelo que desejam.

As minhas avós, que viveram grande parte das suas vidas sozinhas, sempre lutaram para serem felizes e sempre me passaram, e repetiram vezes sem conta, “nunca dependas de ninguém”. Esta expressão é quase um mantra para mim e pratico-o até à exaustão.

Se for independente financeiramente, vou mais facilmente ser livre!!!

Os meus pais nunca fizeram diferenças entre rapaz e rapariga, e nunca ouvi discursos machistas em relação a mim. Sempre me motivaram a fazer tudo o que quis e quando o quis, desde que com responsabilidade. Nunca ouvi frases como: “isso não porque és menina”, ou “isso não porque uma rapariga sozinha não deve”; muito pelo contrário. Subi a muros, árvores, saí à noite desde os 16, viajava com amigos e sempre fui motivada a fazer tudo o que me deixasse feliz.

E talvez por isto tudo não tolero discursos de desigualdade, sejam eles de que índole forem. Não os entendo. E não consigo compreender como, num país como Portugal, isso é possível acontecer.

Mas apesar de todos os fatores me favorecerem, também sofri vários momentos de discriminação. E não digo isto para terem pena, mas para refletirem. Se alguém que tem estes privilégios todos sofreu discriminação, imaginem quem não os tem.

Profissionalmente foi onde os senti mais e principalmente porque existe um discurso passivo/agressivo que quase parece fazer sentido ser aceite no contexto profissional.

Todas as vezes que senti isso também decidi que não era o sítio onde devia estar. Com os anos, infelizmente aprendi que não se consegue alterar ambientes tóxicos, o que é uma triste realidade. Logo, quem está mal muda-se, deixando claro que esses comportamentos não devem ser tolerados. Mas volto a dizer esta é a visão de uma privilegiada. Pois existe quem não o pode fazer e não tem apoio. E é aí que devemos agir.

Alguns exemplos absurdos que passei:

  • Não ser promovida porque não tinha uma relação estável e isso dava instabilidade à empresa. Gostava de entender a cabeça de quem pensa assim. Não tenho namorado, logo não sou promovida? Mas se tivesse já era? Em que muda as minhas competências e/ou trabalho? Nesse dia comecei a procurar trabalho.
  • Trabalhar em grupos em cujas empresas os CEOS são homens, todos jogam golfe e sentimo-nos sempre de fora, porque somos nulas no golfe e porque não fazemos parte de um “clube do bolinha” que vai muito para além do profissional. E onde o CEO do grupo quando é interrogado diz que “não há mulheres porque as mulheres num momento decidem ser mães e isso desfoca-as” …. Em que século vivemos? Nunca trabalhei tanto como depois de ser mãe, pois sentia que tinha de fazer mais para compensar “algo” que até hoje não entendo. Nada disto faz sentido nos dias de hoje.
  • E andar de transportes públicos? Adorava que um homem passasse por isso. Porque acham os homens que nos podem apalpar? Porque acham que têm direito? Vivi anos apavorada sempre que ia em pé num transporte e este enchia. Miúda, indefesa, … hoje partiria para a violência, mas naquele momento era apenas uma miúda apavorada e cheia de medo e, muitas vezes, vergonha.
  • E os piropos? Tudo o que tínhamos de ouvir de homens 20/30/50 anos mais velhos do que nós?

E podia continuar numa lista infindável.

Pode parecer pouco e sei que que muitos vão dizer que “isso não é machismo”, “eu não sou machista” … “era a brincar” … mas é este “unconscious bias”, que faz não evoluirmos.

Seja em termos de machismo, racismo ou xenofobia.

Frases como “eu não sou machista, trabalho muito melhor com mulheres” ou “eu não sou racista porque tenho amigos pretos” têm uma carga gigante, e sim, são racistas, e sim, são machistas.

Ou a frase do século: “eu não sou machista, ajudo imenso em casa”! Mas desde quando a casa é a responsabilidade de uma mulher? Red alert machista.

Claro que nós, mulheres, muitas vezes não ajudamos, porque achamos que só nós sabemos cuidar corretamente dos nossos filhos, ou só nós sabemos como arrumar a casa… E criticamos, criticamos… criticamos… e isso não ajuda. Todos os dias me revejo nisto e tento retificar.

Todos temos de lutar para melhorar neste tema, todos temos coisas que motivam estes comportamentos. Mas urge acabar com eles para cada um conseguir ser o que quer ser, em liberdade, sem medo de sermos (mais) felizes.

Hoje trabalho em ambientes em que um género é mais presente, mas por sorte agora não é porque nestes locais exista discriminação seja de que género for, porque já vai muito para lá de homem versus mulher.  São ambientes em que a competência está à frente do género, nacionalidade, raça … e é tão maravilhoso que assim seja.

Sei que posso ter lutado pouco para que seja diferente, mas nunca deixei que me diminuíssem por ser mulher. Acredito fortemente que alimentar empresas, relações, amizades onde nos diminuem é deixar que comportamentos machistas, racistas, xenofónicos perdurem; se batermos a porta sempre que tal acontece, todos estes comportamentos vão estar isolados e deixar de se perpetuar no futuro. A nossa maior arma é a fuga, e se nunca estivermos em ambientes que nos podem oprimir, que nos podem violentar, estaremos sempre salvas. Se deixarmos passar, por pequeno, que for, ele torna- se um comportamento “normal” e vai ser cada vez maior.

Encontrem a vossa maneira, mas não deixem acontecer, mesmo que não seja com vocês. Não deixem de escolher uma mulher porque um dia ela vai querer ter filhos. Se é a mais competente, contratem ou lutem para que seja contratada; não aceitem relações tóxicas e pensem nas vossas avós que muitas vezes foram obrigadas a casar, ou a não trabalhar ou a lutar contra todos para estudar, ou a aguentar tantos abusos em silêncio… se não fizerem por vocês… façam por elas.

A vida é tão curta para não sermos felizes e há muita coisa que não controlamos; mas isto sim, controlamos.

Vivemos no país certo e no século certo para o controlarmos e só precisamos de pequenos passos para melhorar o dia a dia de todas e assim ter esperança de que um dia no mundo sejamos tratados todos por igual.

Se há algo que gostaria de marcar como professora é este empoderamento, pois o nosso futuro depende de nós, e temos de lutar por ele, e rodear-nos dos melhores para lutarem connosco, e não contra nós.

E claro aprender, aprender muito, pois conhecimento é poder. E sempre que tivermos conhecimento, o resto vai acabar por acontecer, pois temos a ferramenta mais poderosa.


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Carla Rodrigues

Carla Rodrigues é licenciada pela ESCS, em Publicidade e Marketing, estando atualmente a fazer o doutoramento em Ciências da Comunicação no ISCTE.

Trabalhou em agências de meios como Initiative, Strat; Universal McCann, Wavemaker, em variados segmentos: Telecomunicações; Bebidas; Automóveis; Serviços; Farmacêutica; Indústria Alimentar; Serviços de Streaming, Moda, entre outros, e coordenou áreas como Digital, Content, Tecnologia em mais de 40 marcas, como EDP, Netflix, Pfizer, Vodafone, Chevrolet, Telepizza, Mango, Pescanova, Coca-cola, Beiersdorf, entre outras.

Detesta rotinas e adora mudanças, por isso, em 2018, após um percurso de 20 anos em Media, a sua resolução foi focar-se nas suas paixões: lançar uma agência de Digital Influencers – a What About Agency, e dedicar-se à Formação e à consultadoria de empresas.

No ensino, podem encontrá-la como professora na ESCS, na Universidade de Coimbra e, claro, como formadora na Lisbon Digital School.

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